sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

OS RISCOS DA TERCEIRIZAÇÃO

Benito Arruñada e Xosé H. Vázquez
Poucas empresas industriais ainda consideram a manufatura uma parte essencial das operações. O tradicional detentor da marca — o que hoje chamamos de OEM — prefere cuidar da pesquisa, da concepção e da venda de bens, deixando a produção a novos especialistas: fabricantes contratados.
Nesse esquema, todo o processo manufatureiro é terceirizado — a um ponto em que, em muitos casos, nenhum dos trabalhadores de uma OEM terá tocado fisicamente o produto que promove e vende.
A prática teve início em 1981, com a produção do primeiro microcomputador da IBM — mas foi preciso uma década para que atingisse artigos cotidianos como brinquedos, roupas, calçados, cervejas, produtos farmacêuticos. Hoje, até setores da indústria automotiva se valem do esquema: a finlandesa Valmet Automotive monta o Boxster, da Porsche, enquanto a austríaca Magna Steyr fabrica veículos para Mercedes, BMW e Saab. A difusão da produção terceirizada acentuou, de quatro maneiras, a concorrência em certos setores. Criação de novas empresas. Um fabricante contratado facilita a criação de novas empresas e divisões. Uma empresa que terceiriza não precisa levantar, in-vestir e arriscar capital para montar instalações fabris próprias.
Logo, pode evitar entraves tradicionais à incursão em novos mercados. Com efeito, qualquer empresa — mesmo que venda baixos volumes — pode reduzir seu custo por unidade simplesmente contratando a FC com a maior escala. Foi assim que as americanas Dell e Gateway puderam ir além das raízes na computação e entrar no mercado de aparelhos eletrônicos domésticos com TVs de plasma e LCD, aparelhos de DVD e mais de outros 50 novos produtos. Criação de novas marcas. A evolução da situação de uma fabricante contratada o incentiva a criar a própria marca. O que ocorre é o seguinte: ao atingirem uma escala eficiente, os níveis de custos de FCs convergem.
Paralelamente, os bens que fabricam começam a se comoditizar. Em resposta, uma FC tenta retomar a vantagem competitiva sustentável com a absorção de atividades geradoras de valor que sua clientela até ali centralizara, como P&D e marketing. Em uma variante do dilema do inovador, a OEM repassa certas atividades à FC e, com isso, dá a essa contratada o espaço para adquirir uma capacitação que, mais tarde, pode usar contra a própria OEM. Àquela altura, a FC já terá se tornado uma OEM. Foi assim que a Lenovo e a fabricante de eletrodomésticos Haier e a de televisores TCL (também chinesas) viraram três das maiores empresas de seu setor no mundo.
Se for incapaz de extrair do cliente todo o conhecimento necessário para criar e dar sua marca a um novo produto, uma FC pode adquirir todo um braço de uma OEM. Foi o que fez a taiwanesa BenQ ao comprar a divisão de celulares da Siemens em 2005. Com o lance, a BenQ comprou não só a PI da Siemens, mas também décadas de tarimba administrativa, uma reserva de talentos de altíssima qualifica-ção, uma marca popular e uma plataforma de operações mundial. E, ao dominar a manufatura, a FC pode se lançar à inovação, algo que vem ocorrendo há algum tempo. A disparada no volume de pedidos chineses de registro de patentes à luz de um tratado europeu serve no mínimo de pista indireta: foram 26 em 1990 e 961 em 2000. A FC também pode adquirir o know-how em P&D da OEM.
Em 2004, a Shanghai Automotive Industry Corporation (SAIC), que cuidara de parte da manufatura da Volkswagen e da GM, comprou da MG Rover, então quebrada, os projetos necessários para fabricar o Rover 25, o Rover 45 e o Rover 75. A SAIC planeja vender a própria linha de veículos na China, Europa e América do Norte.
Ascensão na cadeia de valor. Grandes nomes do varejo e da distribuição podem contratar as FCs de maior porte e eficiência para produzir (sob a marca da empresa contratante) bens de qualidade idêntica à dos artigos das melhores OEMs. No mercado, esses produtos figuram lado a lado com os de OEMs, mas por metade do preço. A fabricante contratada Solectron adquiriu tarimba na manufatura ao trabalhar com IBM, Hewlett-Packard e Mitsubishi.
A distribuidora Ingram Micro acabou pedindo à Solectron que montasse computadores, servidores e aparelhos correlatos com a marca dela e de varejistas. Empresas como Best Buy, Carrefour, Sears e Wal-Mart também estão vendendo aparelhos eletrônicos com a própria marca, diluindo o poder de marketing de OEMs.
Uma FC que lançou a própria marca também sofre, pois é difícil para seus produtos superar os de varejistas em qualidade, originalidade e preço. Contudo, se ameaçar deixar de produzir bens para um varejista, a FC estaria lançando o cliente nos braços de outra fabricante contratada — que por sua vez poderia converter o negócio adicional em economias de escala melhores ou até maiores.
Abuso da propriedade intelectual. A terceirização da produção coloca em jogo ativos intangíveis exclusivos da OEM. Uma FC pode explorar, em prol da própria marca, o know-how obtido ao trabalhar para uma OEM — ou transferir (legitimamente ou não) esse conhecimento a outras OEMs clientes. Esse vazamento pode ocorrer ainda que a FC apenas monte componentes feitos por terceiros. A digitalização tridimensional e software de CAD/CAM permitem a qualquer empresa copiar, em questão de horas, componentes cuja concepção pode ter levado anos. É alto o potencial de abuso. A CFM International, joint venture da General Electric e da francesa SNECMA, que produz componentes para turbinas de avião, teve de tomar medidas duras contra oficinas de conserto e retificação nos EUA que vi-nham adquirindo peças falsificadas. A OEM pode, é claro, recorrer à Justiça, banir a contratada, fazer lobby. Mas nada disso é uma panacéia. Uma ação judicial tem desfecho incerto, pode levar anos e custar caro. Nesse meio tempo, o lucro segue em queda. Já convencer outros membros de um setor a rechaçar a contratada traiçoeira também leva tempo, gera resistência e traz o risco de violação de leis antitruste. Por fim, com a crescente globalização, a intervenção de um governo, isoladamen-te, é menos impactante. De todo modo, a OEM precisa da FC para se especializar cada vez mais, somar valor e seguir competitiva.
- Benito Arruñada (benito.arrunada@upf.edu) é professor de organização de empresas da Universitat Pompeu Fabra, em Barcelona, Espanha. Xosé H. Vázquez (xhvv@uvigo.es) é professor associado de organização de empresas da Universidade de Vigo, em Vigo, Espanha.

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